Dez tendências globais e algumas particularidades dos desafios educacionais

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Como falei de PISA no último texto, aproveito o embalo para discutir a análise de Andreas Schleicher sobre as tendências que impactam a educação do futuro. Baseado em estatísticas produzidas pela OCDE, sobre comportamento econômico e desenvolvimento social, o autor produz síntese de dez aspectos contemporâneos que produzem efeitos diretos nas escolas em todo o mundo. Tentarei aqui fazer um paralelo com a situação particular do Brasil.

A primeira tendência destacada refere-se ao abismo entre ricos pobres, que prejudica a crença de que a escola oferece a justa oportunidade de progresso material por meio do estudo. Se nos países da OCDE os rendimentos dos ricos em relação aos pobres (os 10% mais) é dez vezes maior, no Brasil segundo o IBGE essa diferença passa de 17,6 vezes e o patrimônio acumulado no topo da pirâmide (os 10% mais) configura 43,1% do total da renda nacional. Somente esses dados já seriam suficientes para ilustrar o tamanho do desafio do ensino regular no Brasil, especialmente no setor público.

Outras duas tendências exploradas por Schleicher referem-se ao aumento da riqueza e do consumo na Ásia. Um dado dá conta de que 90% da classe média do futuro no planeta residirá na Ásia, e o outro destaca a grande ampliação das migrações pelo mundo – na qual a Ásia supera a Europa como interesse de destino. Para o Brasil esses também são dois sérios desafios. Nosso sistema educacional tem como alicerce a tradição eurocêntrica, voltada para fornecer as bases do pensamento e da estética do humanismo clássico ocidental. Educar as novas gerações nesse país deve levar em conta os movimentos globais que exigirão cada vez mais do comércio e da indústria a interligação com os mercados da Ásia, ao mesmo tempo em que se deve atender às demandas formativas da migração decorrente.

Em relação aos impactos das novas tecnologias, três tendências se alinham para provocar consequências complexas. Uma delas aponta para o poder das mídias na construção das narrativas e para o avanço das fake news. Outra tendência dialoga com a pressão social da robotização e da inteligência artificial, fenômenos que exigem da escola a capacidade de detectar e cultivar as habilidades verdadeiramente humanas (como a criatividade). Também, o comportamento cada vez mais intenso na relação com as redes sociais, induz os jovens a menor interação real e menor responsabilidade por aquilo que se faz no virtual. Os desafios para a educação no Brasil não são distintos daqueles em outros países, porém as soluções pregadas por aqui beiram à piada.

Inclusive, essa proposta de escolas militarizadas, além de pretender coibir comportamentos desviantes, tenta também dar um caráter para a formação de valores na sociedade. Conforme já comentado aqui, sobre as intenções do MEC, o desafio de pensar e promover uma “educação moral” democrática e republicana é muito mais do que escolher um valor arbitrário e enfiar goela abaixo dos estudantes. Essas propostas mirabolantes, baseadas no diagnóstico de que moinhos de vento são problemas pedagógicos, destoa de duas das tendências da “nova era” destacada pela OCDE. Diferenças entre fatos e opiniões, condições de objetividade, liberdade de expressão e respeito às diferenças, estão entre os desafios éticos mais críticos do futuro. É muito importante também lembrar que em uma das dez tendências existe o alerta para a quantidade de crianças que não conseguem acesso ou conclusão do ensino regular, e que no Brasil a situação da universalização é resolvida apenas no ensino fundamental.

Em mais uma tendência, o desafio do Brasil acompanha as dificuldades dos outros países. Às voltas com as discussões sobre a previdência, o país precisa estar mais preparado para o chamado lifelong learning. Segundo o comportamento do mercado de trabalho nas últimas décadas – extinguindo o “emprego definitivo” –, e também o aumento da expectativa de vida, a educação passou a ser insumo requerido por toda a vida. A intensa destruição criativa da tecnologia, as necessidades de seguidas mudanças na carreira e o aumento significativo dos anos trabalhados antes da aposentadoria, produzem um cenário em que a escola deve ser pensada não apenas para crianças e jovens – mas para todo e qualquer cidadão.

Por fim, deixo apenas indicada a tendência que julgo mais determinante para a capacidade e qualidade da educação regular no Brasil. Segundo dados da OCDE, os problemas dos sistemas de financiamentos da educação (em qualquer nível) não estão resolvidos em nenhum país. Mesmo assim, os dilemas do financiamento da educação aqui já são sentidos há muito tempo e no momento atual de recessão tornam-se incontornáveis. O pacto federativo de 1988 definiu as responsabilidades dos entes, as formas de financiamento e os instrumentos criados para garanti-las. Tentou-se ali equacionar os principais problemas vistos naquele momento: a necessidade de universalização da escola e a capacidade de financiar a escola pública para as massas. Nesse contexto que ocorrem o aperfeiçoamento do FNDE, a vinculação de receitas, a criação do FUNDEF e do FUNDEB. Somado agora às pautas de aprendizado para a vida toda e de mais avanço científico nas ciências da educação, aprofundar esse debate sobre recursos é assunto para outro post.

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