O quanto pode custar a ignorância

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Nessa semana, empolgado na folia, o presidente fez outro pronunciamento sobre a educação nacional em sua rede social-oficial-degoverno. A primeira afirmação da thread é a que mais preocupa quem trabalha e pesquisa na educação. A última aterroriza toda a comunidade das universidades públicas pelo país afora, nas quais docentes e servidores já sentem os sussurros da repressão.

Vou tentar produzir uma rápida análise sobre o conteúdo da mensagem toda para encontrar o nexo e entender a razão de mais essa pérola do folclore de Jair. Começo pela afirmação de que o “Brasil gasta mais em educação em relação ao PIB que a média de países desenvolvidos”. De maneira simples, parece a garantia de que o governo federal investe na educação um percentual do PIB superior ao de outros países avançados.

Sem levar em conta a dificuldade de coesão e coerência, por si só essa afirmação é muito genérica e não permite base de comparação. Não sabemos a quem ele chama de “países desenvolvidos” – seriam aqueles com alto rendimento em educação ou seriam aqueles com maior economia no mundo? Para tentar tornar mais compreensível, o presidente adiciona dois dados: gasto do MEC em 2003/2016 e um resultado do PISA (não se sabe de que ano). Na lógica bolsonarista, alto percentual do PIB gasto em educação comparado ao baixo desempenho dos alunos da educação básica no PISA é resultado de “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”.

Um sobrevoo sobre os dados sugere outra coisa. Vamos supor que “países desenvolvidos” sejam países de economia avançada, pós industrial, como o são países como Alemanha e Espanha. Se for isso, e se o critério fundamental for o de realmente observar o percentual de PIB aplicado por ano em educação, então de fato o Brasil disponibilizou proporcionalmente mais recursos (5,822%) do que Espanha (4,982%) e Alemanha (5,081%) em 2010. Contudo sabemos que esse dado é quase irrelevante, pois só se comparamos o investimento per capita absoluto é que aparece o essencial: a Alemanha investiu US$ 2.146,28, a Espanha US$ 1.524,37 e o Brasil apenas US$ 653,47 na educação por cidadão, naquele ano.

Mas vamos também admitir que países desenvolvidos sejam países com alto índice de proficiência, atestado pelo PISA. Então, dois países figuram entre os dez maiores resultados nesse tipo de teste: Finlândia e Noruega. Na comparação com esses países, em qualquer variável, o Brasil esteve muito abaixo no financiamento para a educação em 2010. Na Finlândia estavam disponíveis 6,872% e na Noruega 6,847% do PIB naquele ano, o que equivale a US$ 3.162,05 (cinco vezes mais que o Brasil) e US$ 6.035,74 (dez vezes mais) per capita respectivamente.

O mais chocante são, na verdade, os índices de proficiência (letramento em Ciências, Matemáticas e Leitura) alcançados por todos os países mencionados. Levando em conta apenas as médias das avaliações, em 2015 foram esses os scores: Finlândia 522,67, Brasil 395,00, Espanha 491,67, Alemanha 508,00, Noruega 504,33, enquanto a média do mundo foi de 463,3.

Ou seja, fica claro que Espanha e Alemanha não investem um percentual tão alto do PIB em educação – é abaixo do Brasil, mas é equivalente a média de todos os países no mesmo período –, porém atingem resultados bem acima da média porque o investimento per capita é suficiente. Por outro lado, países líderes no PISA, como Finlândia e Noruega, gastam um percentual do PIB muito superior ao do Brasil (aproximadamente 1,2% a mais). Mais do que isso, mesmo com PIB muito reduzido esses países atingem investimento per capita em educação muitas vezes superior ao do Brasil. Como educação é fenômeno multifatorial, “talvez” esteja aí um dos segredos do sucesso.

Resumindo, o Brasil tem aumentado o percentual do seu PIB investido na educação, especialmente na básica pública, mesmo assim não atingiu ainda volume de recursos compatível com os desafios de educar mais de 200 milhões de pessoas com qualidade. De todos os países mencionados, a menor quantidade de dólares investida pelos governos para cada pessoa, durante o ano de 2010, foi a da Espanha. O país alcança apenas a média dos resultados no PISA, mesmo investindo mais de 2,5 vezes o volume mobilizado pelo Brasil. É de arrepiar, ver que o presidente não reconhece as diferenças de história, de cultura, de método e de institucionalidade, em cada país, como explicação pedagógica para os problemas da aprendizagem!

Mas então se o problema não é que sobra dinheiro na educação, qual seria? Já no segundo tweet da sequência o presidente se dirige para onde queria: a “Lava Jato da educação”. Vejo claramente que o tema da thread não é pedagógico, na verdade é estritamente político. O presidente sabe muito bem que a sobrevida do seu governo natimorto depende da famosa “Reforma da Previdência”. Como sabe melhor ainda que não tem apoio para tanto, já começou a se movimentar para o uso da força.

No último tweet, a constatação definitiva de pra quê serve a mensagem: para criminalizar a universidade pública. Quando o governo ameaça a sociedade, colocando uns contra outros, é hora de prestar atenção. Com a afirmação de que “indícios” de corrupção no MEC geraram a necessidade de uma investigação total no ministério (comentada já aqui), o presidente relaciona a ameaça de que a deflagração da operação “pode acarretar greves e movimentos coordenados prejudicando o brasileiro”.

No meu palpite, quando a “Reforma da Previdência” começar a tramitação no congresso os ânimos se exaltam e as bases vão resistir. Antevendo o impasse, o governo já se antecipa e criminaliza os movimentos de greve, especialmente o dos servidores públicos que são grande número na universidade. A estratégia é ganhar a opinião pública o quanto antes (com fake news e outros fantoches), para em seguida travar as batalhas judiciais que sufocam os movimentos com as multas e o uso da força. Novamente, a educação é utilizada pelo governo como pretexto para espalhar boatos e mal entendimentos sobre questões de outra natureza. Dessa vez, mais do que custar dinheiro, podem ser vidas destruídas pela ignorância de achar que a universidade é a vilã.

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